Mais uma vez estamos às voltas com uma severa crise hídrica que, a se considerarem os fatores de criticidade natural quanto à disponibilidade de água em determinadas regiões, as alterações do clima, que são um fato (sem abrir aqui a discussão quanto ao conceito de aquecimento global) e , ainda, o pequeno intervalo desde o último episódio mais crítico, no Estado de São Paulo, entre os anos de 2014 e 2015; talvez possamos entendê-la como a continuidade de um mesmo processo de crise. A mesma crise, que permanece, ou a tendência a uma maior frequência desses eventos mais extremos de escassez hídrica.
Muito se fala sobre a adoção de medidas para o combate à crise e a busca por soluções para seus efeitos urgentes, com reflexos sócio-econômicos importantes; no entanto, a recorrerem mais frequentemente esses comportamentos naturais, ganham cada vez mais significância as estratégias e políticas públicas adequadas para a gestão e para o uso racional das águas.
Para o grande público, nunca se manifestou tão clara a definição de Recurso Hídrico, que caracteriza a água como bem público, como insumo das cadeias produtivas que movem a economia.
A crise hídrica que compromete a geração de energia, elevando custos, que prejudica os serviços de saneamento e a intensificação das medidas sanitárias, e que também afeta significativamente o mercado produtivo; vem se colocando como mais um desafio a ser enfrentado para a retomada das atividades dos mais diversos setores da economia, após os enormes danos causados pela pandemia do Vírus Covid-19.
De modo geral, a consecução desses fenômenos, em curto período, não é propriamente uma surpresa - Não para regiões onde a transposição de recursos hídricos, para garantia de abastecimento de água às populações, em função da indisponibilidade hídrica, é uma realidade há décadas; a exemplo da administração do Sistema Cantareira, e outros, que garantem grande parte do abastecimento público da Capital do Estado de São Paulo.
Entra aí a importância dos Sistemas de Gerenciamento dos Recursos Hídricos - Destaca-se que, em que pesem o grau de criticidade hídrica natural das bacias hidrográficas que abastecem o Sistema Cantareira e o significativo volume remanejado para o suprimento de outra região, o desenvolvimento regional nas bacias hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que compreendem algumas das regiões metropolitanas mais importantes do país, não se viu limitado, muito em função do engajamento regional que sustentou a implantação das políticas, estadual e Nacional, de Recursos Hídricos.
Prova disso é o pioneirismo e o desenvolvimento dos Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí - Comitês PCJ, referência nacional e internacional da gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos; aliados às ações dos órgãos gestores de recursos hídricos e de meio ambiente, na busca pelo aprimoramento constante do modo de gestão integrada, quali-quantitativa, dos recursos hídricos.
Desde seus estabelecimentos, na década de 1990, as políticas de recursos hídricos vêm sendo implementadas e desenvolvidas por meio de seus instrumentos específicos, consolidando os sistemas, Nacional e Estaduais, de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Especificamente no caso do Estado de São Paulo, após pouco mais de 20 anos do seu primeiro regulamento referente à outorga de recursos hídricos, que detinha um importante caráter orientativo e, por isso, contribuiu para a formação de uma comunidade técnica habilitada para atuação nesse mercado; uma vez difundida a outorga como instrumento fundamental de gestão, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), em 2017, a partir da revisão da concepção do seu modelo gestor, promoveu a desburocratização dos regulamentos, tornando o processo mais atrativo aos usuários de recursos hídricos, mas vinculando-a ao monitoramento efetivo e à intensificação da fiscalização dos usos (captações de água, poços ou lançamentos de efluentes) e interferências (obras como pontes, barragens, canalizações etc, ou serviços como extração de minério ou desassoreamento).
Nesse sentido, os profissionais da engenharia e da geologia que atuam como consultores técnicos para obtenção de outorgas nas suas diversas modalidades, têm papel fundamental para o fortalecimento do modelo de gestão e da sua efetividade.
A desburocratização dos regulamentos não dispensa o desenvolvimento dos serviços técnicos; pelo contrário, abre novos mercados para empresas que já têm se estruturado para oferecer a administração do monitoramento auto declaratório preconizado pelo gestor paulista, que quer contar, nessa fase de modernização dos seus modelos, com a comunidade técnica especializada, para a difusão da necessidade da realização de estudos e projetos adequados para o fornecimento de dados e informações precisas quanto aos usos e interferências, de modo a subsidiar o balanço hídrico necessário para a boa gestão dos recursos hídricos.
É preciso combater a clandestinidade, saber onde estão os usos dos recursos hídricos, sejam subterrâneos ou superficiais; e, mais do que isso, de que modo interferem na sua disponibilidade e no seu regime de escoamento.
O usuário, ou pretenso usuário das águas, de modo geral, precisa ser estimulado a buscar especialistas capazes de estudar suas reais demandas, estimar suas margens de segurança, projetar sazonalidades, dimensionar adequadamente as obras hidráulicas e subsidiar o requerimento correto, estritamente necessário, promovendo a racionalização do uso e contribuindo para o controle das infrações à legislação.
Cabe aos profissionais e empresas de consultoria, aprofundarem-se nos regulamentos, entenderem as necessidades dos órgãos gestores. A implantação de usos ou interferências em recursos hídricos por empresas especializadas, sem a devida regularização, as sujeitam, juntamente com o usuário, às penalidades previstas pela legislação, por concorrerem para a prática da infração.
Deve ser uma parceria. Ao estado compete a gestão, aos consultores, a orientação ao usuário e a interlocução com o gestor, oferecendo aos seus clientes o suporte necessário para a aplicação de boas práticas que podem gerar benefícios coletivos e, assim, agregar à sua marca a promoção do desenvolvimento sustentável e efetivamente contribuir para os Sistemas de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, explorando de forma legítima um mercado carente de especialistas comprometidos com a conservação dos recursos hídricos e, consequentemente, com a segurança hídrica.
Professor Marco Antonio Garcia de Almeida
Cursos envolvidos: Gerenciamento de Recursos Hídricos e Infraestrutura de Saneamento Básico
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